O ator Flávio Migliáccio cometeu suicídio aos 85 anos, em seu sítio. Esta foi a matéria do dia, para esquecermos um pouco o corona vírus. E ele não morreu "de" corona. Ele morreu por uma decisão dele. Não sei se decisão lúcida ou não, se em estágio de depressão ou não, se por conta de uma grande desilusão ou não.
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O fato é que algo o incomodava demais. E doía tanto, mas tanto, que ele resolveu acabar com a dor. Infelizmente, naquele momento, dor e sofrimento era igual a viver e viver com dor e sofrimento deixou de ser suportável.
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A saída, foi sair de cena. Das cenas de todos os cenários. Do teatro, da televisão, de um programa aqui, uma entrevista lá. Da cena familiar, da cena dos amigos.
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Falar sobre as causas que levam alguém ao impulso de tirar a própria vida, é uma missão árdua e delicada. A família merece seu espaço, o morto merece a dignidade de sua memória.
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Mas o fato pode ser socialmente didático. Quem sabe a notícia do suicídio de uma pessoa pública, chame a discussão sobre o assunto na casa de alguém deprimido.
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A quarentena, as incertezas, o medo disseminado pelo pulverizador da ignorância, a falta de dinheiro e as cobranças agindo no telemarketing, somam aos números de mortes, falta de caixão, de leitos de UTIs, de carro fúnebre, de câmera fria... quem tem a saúde mental fragilizada, deveria estar sendo cuidado mais de perto por sua rede de apoio, pois nestes momentos os suicídios não são planejados. Eles acontecem no impulso.
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A carta deixada por Flávio vazou. Um desrespeito. Porém, não pude de me apegar numa frase, uma única: "a velhice neste país é (…) como tudo aqui. A humanidade não deu certo".
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Um grito de alerta. Não estamos dando certo enquanto sociedade que envelhece. E se não conseguimos fazer um ser humano chegar aos 85 anos orgulhoso pela sua caminhada, erramos enquanto humanidade.
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Pessoas idosas cometem suicídios todos os dias. Os números são grandes, mas abafados a pedido dos familiares. Cada lesão autoprovocada, cada suicídio cometido, é a marca de que reprovamos enquanto sociedade, enquanto família e amigos, pois estávamos ali e, focados somente em nós mesmos, não enxergamos os outros.
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Flávio tinha razão. Envelhecer neste país ainda é (completo eu) uma merda. Espero conseguir aumentar o exército que luta para mudar esse cenário.
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Não vamos entrar na espiral insana de buscar um culpado, a pessoa que "deveria ter evitado". A família precisa viver o luto e não a luta por respostas e culpados.
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Que sua alma seja bem guiada e sua família amparada no amor e jamais na culpa.
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E você se coloque à disposição de uma pessoa para conversar sem julgamentos. Receba a dor do outro com empatia e ouvidos, braços e coração abertos. A boca pode ficar fechada.
Simples, perfeito.